Sábado, Maio 18, 2024
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O SILÊNCIO NO COPO D´ÁGUA

Quem sou eu afinal? O que estou fazendo aqui? Por que esse medo que me consome não se vai? Afinal, eu gosto de sentir medo, tenho o direito de sentir medo mas não de falar sobre ele. Tenho medo de não ser mais a criança que lutei até aqui para me proteger. Quem teria coragem de ferir uma criança? A minha criança? Será que eu? Eu tenho esse direito mas não posso falar sobre ele. Eu não sou mais quem eles querem. Eu não quero mais ser nada e nem ninguém. Eu não posso procurar a morte; ou posso? Eu tenho esse direito, só não posso falar sobre ele. Quantas vezes eu precisarei voltar sorrindo para a sala de jantar? Por que eles não me deixam chorar? Afinal, é meu direito, só não posso me mostrar chorando ou falar sobre meu choro. Eu tenho medo mas eu preciso voltar para o último show. Até quando? 

Esse diálogo com o espelho é apenas ilustrativo, mas é mais real e presente do que se imagina. Está nas letras de músicas que fazem sucesso, nas obras expostas em galerias, nos desenhos dos nossos filhos, nos nossos escritórios e nas metas que temos que alcançar, no nosso casamento, no colo de nossos pais, etc.

Quem não quer ter a sensação de felicidade eterna? Ser livre para decidir pela própria existência? Porém, as pessoas se aprisionam em mundos que não são seus e sofrem muito por isso. Sozinhas, desamparadas, muitas vezes em um vazio existencial, se deixam envolver pelo buraco da parede e não conseguem mais sair. Tentam negar sua própria natureza, seus próprios instintos e mergulham em um “inexistencialismo” insuportável, intransponível e sucumbem à suas impossibilidades e encontram na possibilidade de ir à uma espécie de ” não lugar” a única opção de fuga de todo seu sofrimento. 

É preciso mais compaixão, mais ajuda, mais ouvidos e ombros dispostos a acolher e a buscar amenizar o sofrimento do outro. É preciso se conhecer mais para aceitar o outro. É preciso saber ler os sinais. Só se crê em um ato de coragem extrema depois que o ator o comete. Ai já é tarde demais. O que sobra é uma carta de despedida sobre uma mesa de cabeceira com um breve pedido de desculpas. Aí acabou.

Por Mardoônio Gomes

Ps.: Esse texto possui tema delicado sobre suicídio. Se você está com problemas ou conhece alguém que esteja e não consegue ajudar, ligue para 188.