Parece que o luto passou ou está passando. Primeiro vamos analisar o luto. O luto começa no trauma da certeza da perda, passa pelo mergulho doloroso de sua violência (seja ela física ou não), e termina com o fôlego de realidade que tomamos não apenas por estarmos vivos mas por absorvermos outros motivos para seguir vivendo, sorrindo e acreditando. O fim do luto acontece quando a esperança perdida com a perda retorna.
Dito isso, podemos nos voltar aos fatos e atos políticos que se iniciam. Nós nos enebriamos tanto de ódio pelo maniqueísmo de direita versos esquerda que hoje quase ninguém se reconhece mais como brasileiros. Parece nem importar mais o significado da palavra brasileiro. Por um tempo chegou a deixar de ser aquele que nasce no Brasil.
O luto passou, ou está passando. A sanha de achar que qualquer um que defenda direitos humanos e que goste de vestir vermelho seria um inimigo do Estado, parece ter arrefecido assim como a ideia do golpe. Parece que os personagens estão marcados a ferrete pelos seus próprios discursos e isso está levando seus seguidores mais fiéis a uma catarse de contradições e a uma confusão mental tamanha que simplesmente viraram a página dos acontecimentos que nos trouxeram até aqui.
Eles encontraram o único valor que é capaz de despertar a esperança que fecha o luto, capaz de reacender a chama do militante que existe em cada um de nós mesmo que tenhamos que esquecer dos discursos que seguimos, das bandeiras que defendemos e das amizades que perdemos em seu nome. Eles virão com a bandeira da defesa da NOSSA DEMOCRACIA.
Quem garante a democracia são nossas instituições que, por via de regra, nunca estiveram tão sólidas e atuantes. Quem garante nossa democracia somos nós que jamais debatemos tanto sobre política e constituição como agora, quem garante nossa democracia é a nossa constituição. Mas quem tem que garantir que os processos tramitados no governo sejam democráticos são aqueles e aquelas eleitos e eleitas por nós. É por isso que o presidente que está, criou um ciclo de compra de votos institucionalizado e se mostra muito tranquilo em relação a seus adversários porque sabe que os votos a ele serão comprados na base, com prefeitos, vereadores, líderes comunitários, através dos seus deputados e senadores comprados com as verbas de um orçamento que nunca foi secreto, apenas a nós. É por isso que o ex-presidente decide isolar a ex-presidenta e o processo desastroso de seu governo do debate e não falar mais em golpe voltando seus esforços de alianças políticas aos mesmos algozes de sua biografia e da biografia do seu feudo chamado PT. Não se deve criar abismos e sim construir pontes. O perdão é divino e a mão santa do messias do ABC transforma golpistas, reacionários, traidores, em santos aliados e tudo isso em nome da democracia.
O que me incomoda mais nesse caldeirão de absurdos é que nós nunca tivemos acesso de fato e de direito à democracia no nosso país. Como dizia o mestre Milton Santos:: ” A classe média nunca quis ou lutou por direitos nesse país! Ela sempre quis e lutou por privilégios!” Portanto, as grandes decisões sobre a vida de quem está aqui embaixo não são tomadas com a participação coletiva. São tomadas por grandes organizações que são tudo, menos democráticas. São decididas em salões luxuosos por homens e mulheres que jamais tiveram que se preocupar com três refeições diárias ou sequer em ter que defender o direito de dormir embaixo de um teto, lavar a própria roupa, cozinhar a própria comida. São essas pessoas quem decidem se é justo uma mãe não conseguir um emprego para alimentar seus filhos, ou mesmo não ter um endereço para colocar na carteira de trabalho.
Esta casta de privilegiados no Brasil decide que podemos sobreviver com uma renda média de R$ 480,00 e que não precisamos mais de escolas, vacinas, postos de saúde, ensino profissionalizante, primeiro emprego, lazer, cultura, cidadania. São essas pessoas quem decidem o tamanho da fatia de democracia a qual teremos direito. São elas que apertam o conta-gotas e são elas quem avalizam as candidaturas, manipulam a imprensa e fazem você acreditar que o luto fechou.
E nós? Nós, como sempre, sem questionar, sem criticar, sem nos revoltarmos, apenas cedemos às nossas paixões, vestimos a camisa do nosso candidato, pegamos nossas bandeiras e vamos à luta! Repetindo os mesmos discursos e cometendo os mesmos erros apesar da democracia nos dar a dádiva da escolha pela mudança, caminhamos sempre em direção ao mesmo abismo. Desperdiçamos a única gota a qual nos permitem degustar em nosso nome que é o voto. Fazemos tudo isso para recolocá-los no poder, mas o que mais importa é estarmos sempre dispostos a pagar a conta!
Feliz Ano Novo!
Mardonio Gomes, empresário.