Gostaria de poder começar a escrever um texto com palavras positivas e de entusiasmo. Mas nos dias de tanta dúvida de tudo e, ao mesmo tempo, de tanta certeza de si, as pessoas olham, mesmo sem enxergar, aquilo que é trágico, chocante, impactante. O que chama a atenção das pessoas auto proclamadas normais é exatamente aquilo que é anormal. Estamos tão inclinados ao desastre alheio que precisamos visceralmente de um choque da tragédia de outrem para que nossa normalidade seja colocada à prova.
Mas será que somos verdadeiramente normais? Muitos de nós sequer conseguem se prender por duas horas a um filme sem acompanhar paralelamente o que dizem de nós e dos outros nas redes sociais. Muitos de nós não consegue se apropriar dos próprios sentimentos e, portanto, reconhecer as virtudes e vulnerabilidades. Precisamos encontrar na subjetividade ou no pragmatismo alheio uma saída pro ser que insistimos em não querer conhecer: nós mesmos!
Muitos de nós têm tantas peculiaridades que até mesmo dúvida de si em muitos aspectos mas, nunca titubeou em definir de forma capital qual deveria ser o comportamento adequado ou, quiçá, a atitude do outro sobre determinados assuntos. Muitos de nós saem de casa a fim de comer uma pizza mas, ao encontrar um amigo na rua, decide aderir a um sorvete ou até mesmo a não comer mais nada. Desistimos de nossos objetivos mais básicos em função do encontro com a subjetividade do outro.
É certo que é normal sermos maleáveis uma vez que o ser humano é um animal sociável e intrinsecamente político, mas até que ponto podemos definir que nossas alterações de metas ou concordância sobre um determinado desejo coletivo é um ato de generosidade pessoal ou abdicação de si?
Muitos de nós sequer sabem que é estar em uma posição fetal após achar que já amadureceu o suficiente para qualquer tipo de sofrimento. O retorno ao recipiente escuro envolto por um líquido quente e viscoso em que ficamos presos a um cordão ao qual, apenas por ele, podemos nos alimentar mas sem a proteção de um organismo externo, de um corpo animado e perfeitamente preparado para nos proteger. Em posição fetal mas vulnerável e exposto a tudo! Exposto a qualquer tipo de intempérie ou ataque de terceiros. Exposto até mesmo ao nosso próprio eu.
Muitos de nós passam toda a vida sem sequer saber o que é causar a si um mergulho vertical em nossos mais profundos abismos. Muitos de nós descobrem que viver consigo é uma missão muito dura e, portanto, idealizamos no outro uma felicidade que deveria ser provida por nós mesmos e abdicamos de nossa vontade própria, nosso jugo próprio, nosso melhor pedaço. Muitos de nós somos muitos, mas no fundo, somos apenas sós.
Por Mardonio Gomes, empresário.