Domingo, Setembro 29, 2024
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Inclusão e acessibilidade vs demagogia e descaso.

Não existe ninguém mais humano do que uma criança. A criança age com a intenção de cuidar.  Cuidam umas das outras. Era assim na minha infância. Apesar do mundo à nossa volta não ter sido pensado e construído para nós, contudo, nos adaptávamos a ele. Não era fácil para os meus coleguinhas que possuíam limitações motoras para subirem as escadas, irem ao banheiro, ter que enfrentar a fila do refeitório como todos os outros, serem barrados por chegarem atrasados, não terem uma orientação pedagógica e ainda assim aprenderem a matéria lecionada. Mas a gente se ajudava em um esforço humanitário, ainda que muitas vezes inconsciente, e trazia nossos coleguinhas com a gente. Todos sofriam de alguma forma.

Com o tempo, fomos envolvidos por duas palavras sedutoras: acessibilidade e inclusão. É estranho porque não me lembro de ver nenhum professor ou funcionário da escola da minha infância descendo as escadas com meus coleguinhas que sofriam de paralisia infantil, ou dando a mão para meu amigo Fábio que tinha Síndrome de Down. Mas e hoje? Será que 35 anos depois algo mudou? Não muito.

As escolas modernas projetadas com rampas, banheiros e bebedouros adaptados, salas mais arejadas, ambientes mais adequados e que adotam programas de inclusão pedagógicas existem, mas ainda estão longe de ser uma realidade para todos. O acesso à educação básica ainda é muito precário e, em pleno século XXI, temos o analfabetismo nos assombrando e um nível de evasão escolar altíssimo por falta de políticas públicas de inclusão e acessibilidade. 

Não é uma questão meramente urbanística ou da moda, é uma questão de humanismo! Todos sabemos que por esse nosso país há lugares onde mal se consegue chegar com um livro didático, quanto mais com uma escola inteira. Mas nos grandes centros urbanos, muitas vezes onde existe o prédio, a escola também não se faz presente. 

Pensar educação inclusiva e acessível virou apenas mote de campanha política. Ou alguém aqui conhece algum político que nunca tenha dito que vai lutar pela saúde e pela educação? Pois é. Enquanto nós, quando criança, ajudávamos nossos amiguinhos a irem para sala, ao banheiro, ao refeitório e sentávamos junto pra compartilhar o que havíamos aprendido nas lições cuidando uns dos outros, hoje vemos nossos filhos sendo induzidos a cuidarem de si mesmos e cada vez mais apartar as pessoas que realmente precisam de um gesto que seja de humanidade e que muitas vezes nem a escola, nem a família e nem o Estado se dispõem a dar. Precisamos repensar nossos conceitos e voltar a aprender com as crianças.

Por Mardonio Gomes